Após publicar
reportagens que mostravam que membros do Poder Judiciário e do MP têm
rendimentos acima do teto legal, jornalistas da ‘Gazeta do Povo’ passam a
responder a dezenas de processos movidos por juízes
Presente ao Fórum VEJA, evento realizado pela
revista em maio, o juiz Sergio Moro foi o primeiro a concordar com um amargo
raciocínio do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
Barroso disse que Moro e o ex-ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão,
não teriam alcançado a condição de "heróis nacionais" se combater a
corrupção "fosse regra" no país.
Moro
admite ficar comovido com as manifestações a seu favor (máscaras com seu rosto
explodiram no Carnaval). Nem de longe, no entanto, ele atua para figurar como
celebridade. Involuntariamente, o magistrado se tornou modelo a ser imitado de
profissional do Judiciário em todo o país. Mas, justamente em seu estado, no
Paraná, um punhado de magistrados tem assumido a mais arriscada postura no
momento em que se está buscando equiparação com uma figura irrepreensível: o
afrouxamento da tolerância à crítica. Há dois exemplos recentes do que se
poderia chamar de "complexo de Moro" - o afã de querer parecer
implacável como o juiz da Lava-Jato, mas confundindo o enorme apoio popular ao
combate à corrupção com uma licença para quase tudo.
O caso mais recente aconteceu em Curitiba. Após
publicarem reportagens que mostravam que membros do Poder Judiciário e do
Ministério Público do Paraná chegam a ter rendimentos mensais mais de 20% acima
do teto estabelecido por lei, de 30 471 reais, jornalistas do jornal Gazeta do
Povo, o principal do estado, passaram a ser alvo de processos. Já são 44,
movidos principalmente por juízes. Até o momento, os profissionais do diário
percorreram mais de 6 000 quilômetros para comparecer a audiências. A Gazeta
reclama do que seria uma ação orquestrada. Em um áudio enviado via WhatsApp, o
presidente da Associação dos Magistrados do Paraná, Frederico Mendes Junior,
propõe que os juízes entrem com ações individuais contra o jornal. Diz Leonardo
Mendes Júnior, diretor de redação da publicação: "Esses magistrados não veem
que estão atacando a liberdade de expressão e punindo os profissionais
previamente". Em maio, a Gazeta foi condenada a indenizar um dos juízes em
20 000 reais - no total, os processos cobram indenização de 1,4 milhão de reais
-, com a justificativa de que ele havia sido constrangido.
A sentença foi proferida por Nei Roberto de Barros
Guimarães, que, em março, a pedido de uma delegada federal, determinou a
retirada do ar de dois textos publicados no blog do premiado jornalista Marcelo
Auler, que já trabalhou em VEJA. Neles, Auler tratava de vazamentos de
informações sobre a Lava-Jato. O blogueiro ainda foi alvo de uma segunda ação,
movida por um delegado, que o forçou a tirar de sua página mais oito
reportagens e estabeleceu uma autêntica censura prévia, proibindo-o de publicar
futuros textos com "conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo ao
reclamante".
Para o juiz Rogério Ribas, que está processando a
Gazeta, a série de reportagens do jornal atentou contra a sua honra. "Meu
filho foi até indagado na faculdade", afirma. Não há nenhuma ilegalidade
em seus benefícios. O problema está na política de vencimentos da esfera
pública. Ribas se encaixa nela, simples assim. Entretanto, para além do debate
salarial, o que ocupa o centro da questão é a liberdade de imprensa, pilar da
democracia, e a atitude de um punhado de juízes do Paraná contra um blogueiro e
um jornal. O apoio popular a Moro, à Lava-Jato, à própria Justiça não é
chancela irrestrita a magistrados. Vale a lição do escritor francês Paul Valéry
(1871-1945): "A ideia de Justiça é, no fundo, uma ideia (...) de volta ao
equilíbrio".
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